A CIÊNCIA DA TRAIÇÃO


                                 
Você está em um relacionamento romântico e de repente recebe a notícia de que está sendo traída ou traído. Seu parceiro ou parceira se diz arrependido, tenta recuperar sua confiança, pede seu perdão, promete mudar etc. Devo ou não perdoar ? devo ou não lhes dar uma segunda chance ?

Essa resposta fica mais a cargo da esfera filosófica e não propriamente da esfera científica. Porém a ciência pode nos munir muito bem de informações para que possamos tomar decisões mais prudentes, decisões mais racionais.

A traição é um fenômeno muito mais comum do que podemos imaginar, dependendo da sua perspectiva do que é traição. Vale lembrar que por ser comum, não é normal. trair é comum, mais não é normal. A traição é a causa da maioria dos fins de relacionamento e de altos índices de divórcio que no brasil aumentou cerca de 200% (segundos dados do IBGE). vale lembrar que ela também causa muita dor e angústia para os envolvidos, podendo até desencadear alguns transtornos neuropsiquiátricos como a depressão, e por aí vai...

Se consideramos traição um relacionamento sexual fora de um relacionamento monogâmico, isto é, uma relação sexual com uma pessoa que não é seu parceiro ou sua parceira oficial, se consideramos isso traição, os estudos sugerem que cerca de 20% a 30% dos casamentos terão índices de traição. Esse número se eleva ainda mais quando estamos falando de relações não monogâmicas, isto é, uma relação que é apenas um namoro. Os números nesse caso sobe para 40%.

É importante ressaltar, que foi considerado traição nesse estudo, apenas relação sexual fora do relacionamento oficial. outras coisas como beijos ou flertes não foram considerados traição. Também é importante nos atentarmos ao fato de que o estudo foi declarativo, ou seja, as pessoas relataram seus casos de traição, e portanto é forçoso reconhecer que houve casos em que a pessoa traiu e declarou que não. É forçoso reconhecer um aumento nos números reais.

O estudo também demonstrou que pessoas que traíram em um relacionamento anterior podem ter até três (3) vezes mais chances de trair em um relacionamento seguinte. Para ser mais preciso nos números, uma pessoa que traiu uma vez, tem de 335% à 512% de chances de trair em um relacionamento seguinte. Em outras palavras, pulou a cerca uma vez, pula de novo.
O nome do artigo é: "Infidelidade seria através de relacionamentos subsequentes", e foi conduzido por Kayla Knapp, da Universidade de Denver.

A grande questão é, porque tão grande são as reincidências de traição em um relacionamento ? Isso é uma questão complexa, mas a ciência também nos deixa abastecido de informações para que possamos refletir de maneira mais racional possivel.

Quando falamos em traição, falamos também de desonestidade. Podemos sim considerar traição como um comportamento desonesto. Afinal, é uma quebra de acordo entre o casal.

Um livro do Dan Ariely, "A mais pura verdade sobre a desonestidade" fala sobre o comportamento desonesto, e mostra que é extremamente raro encontrar pessoas que são extremamente honestas, e pessoas que são extremamente desonestas. A maioria das pessoas, segundo o livro, são meio termo, são um pouquinho honestas e um pouquinho desonestas, dependendo do contexto e dependendo de com quem.

Um estudo do Dr. Jayson L. Dibble intitulado "Mantendo Alternativas de Relacionamento Eletronicamente: Relacionamento Positivo" aponta que uma grande quantidade de pessoas mesmo estando em um relacionamento monogâmico (ou não), possuem uma espécie de "pessoa reserva" que no estudo foi chamado de Back Burner. Uma pessoa na qual o contato passa de amizade, uma pessoa na qual você flerta, que tem uma certa índole de caráter sexual. Não é traição propriamente dita, mas uma espécie mais "gentil" de desonestidade, afinal, a pessoa que mantém esse contato reserva muito provavelmente não conta para seu parceiro ou parceira do que está acontecendo.

O fato é o nosso cérebro se adapta a tudo, inclusive a desonestidade. D. Ariely também vai colocar em discussão nos seus estudos alguns pontos: a cada passo de desonestidade dado, os passos vão se alargando. Isto é, uma pessoa que rouba um dinheiro, é muito pouco provável que ele roube primeiro um banco. No caso da traição, é  muito pouco provável que ela vá direto para a relação sexual. Haverá flertes, conversas, beijos e muito depois uma relação sexual (que no caso foi o que o estudo considerou traição).


Quando você rouba um dinheiro pela primeira vez, vem junto uma emoção negativa de culpa, mas também vem junto a sensação gostosa de ter experimentado uma pessoa nova. E parece que a sensação prazerosa inibe a sensação de culpa. Em outras palavras, quando você troca mensagens com alguém, e envia fotos um pouco menos criteriosas, você sente um pouco de culpa, mas também tem a sensação gostosa de estar recebendo novos elogios. Portanto acaba inibindo a sensação de culpa, e provavelmente você volte a ter conversas com mais frequências com aquela pessoa específica, depois marcam encontro, beijam-se e vão para o sexo. Conforme vão se repetindo os hábitos desonestos, a emoção negativa de culpa desaparece e a traição ocorre com mais frequência.

Talvez a adaptação explique porque que uma pessoa que pulou a cerca uma vez tende três vezes mais a pular novamente em um relacionamento seguinte. houve uma adaptação pelo simples fato de já ter sido feito antes.


O agravante disso tudo, é que os estudos demonstram que o arrependimento não muda comportamentos a longo prazo. Em outras palavras, a pessoa pode estar completamente arrependida, mas não por muito tempo. Imagine um investidor que burlou as regras da bolsa para lucrar. Ele sentiu-se culpado e arrependido no início, porém a sensação prazerosa de ter um dinheiro a mais na conta inibiu a emoção de culpa e ele voltou ao mesmo comportamento. O mesmo ocorre na traição. Quem traiu se arrepende de verdade, mas o arrependimento não garante que ele não venha a trair novamente.


Não quero aqui lhe dizer o que você deve ou não fazer. Se você deve ou não perdoar. Cabe a você avaliar e ver se vale a pena investir no relacionamento novamente. Mas o que sabemos através dos estudos, é que quando queremos muito uma coisa, nós tendemos a acreditar que a exceção será com a gente. Tendemos acreditar que a traição não vai ocorrer mais conosco, afinal, meu parceiro ou parceira se arrependeu. O ruim é que por definição, exceção é exceção.



Professor: Ricardo Bezerra

Referencias:

  1. pt.psy.co/uma-vez-trapaceiro-sempre-trapaceiro.html
  2. www.scielo.br/pdf/ee/v42n4/a08v42n4.pdf
  3. Dibble, J. L., Punyanunt-Carter, N. M., & Drouin, M. (2018). Maintaining Relationship Alternatives Electronically: Positive Relationship Maintenance in Back Burner Relationships. Communication Research Reports, 1-10.

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